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Este blog não pretende ser correto, fonte de pesquisa ou referência para seus interessados. Ele foi pensado para que outros homens e mulheres entendam melhor como nós (homens) podemos ser românticos, chatos e invariavelmente humanos. O que pensamos das artes, das coisas que não entendemos e principalmente de nós mesmos. Neste blog há espaço para homens de todas as idades, raças, classes sociais e orientação sexual. É feito de pensamentos livres, sem dogmas culturais ou religiosos.


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segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Um guarda-roupas e um coração.

Pelo menos uma vez por ano todos nós deveriamos abrir as portas dos nossos armários, gavetas e sapateiras, tirar tudo de dentro e separar as coisas que servem e as que não servem mais. Separar as que podem servir a alguém e doá-las. Rebaixar as roupas que não merecem mais os cabides e dar a elas um novo lugar menos privilegiado nas gavetas entre as surradas peças do dia a dia. Pegar os pares de tênis descolados, velhos e super confortáveis e ajeitá-los para prolongar o uso por mais alguns meses até que possamos comprar outro par que mereça a substituição. Dar sem pena sapatos novos e duros que só foram usados uma única vez por um tempo menor que o que foi gasto para fabricá-los. Quantos as roupas de frio, algumas envelheceram sem uso, caríssimas e etiquetadas, mas sem uso. Algumas calças que ficaram ótimas sob a luz das lojas e nunca mais viram a luz do dia porque um quilo a mais não permitiu que saissem do cabide. Gravatas que foram usadas uma vez nos últimos dois anos e mofaram esperando o próximo nó dividem espaço com aquelas que de tão usadas e esgarçadas não servem nem para amarrar o cachorro na área de serviço.
A vida é assim, uma sucessão de substituições, trocas e armazenagens inúteis. Coisas que não precisamos e acumulamos e que nos tomam tempo, dinheiro e nos confundem com seus valores também inúteis. Assim como essas roupas que rebaixamos e que perdem a importância a cada uso, também são algumas pessoas que estão em nossas vidas sem precisar. Você pode achar estranha a analogia, mas este fato merece nossa atenção.

Depois de uma cirurgia que me tirou do circuito na semana passada eu precisei ficar em casa de repouso absoluto, mas a agitação e a dor do pós-operatório me fizeram perambular de um lado para o outro contando os segundos até os analgésicos fazerem efeito já esperando a hora da próxima dose. Um inferno. Folheei revistas, zapeei nos canais da tevê e revirei o Youtube atrás de algo que pudesse me tomar a atenção antes dedicada àquela dor insuportável. Depois de algumas tentativas e muita frustração a dor cedeu um pouco, mas não desapareceu por completo. Sem ter muito a fazer abri as portas do meu guarda-roupas e comecei a revirar e tirar tudo o que ocupava lugar inutilmente e a tempos eu não usava, como roupas, sapatos, bolsas, caixas, lembrança daqui e de toda parte do mundo. Todo tipo de quinquilharia, até presentes que eu comprei e que não cumpriram seu destino, dançaram. Tudo para não curtir a dor.

Cada peça me lembrou de uma ocasião e de alguém, então comecei a descartá-las como se fossem histórias e pessoas que perderam o sentido pra mim. Não me refiro só a desafetos porque não dou a oportunidade deles se constituirem, mas como aquelas roupas, algumas pessoas não serviam mais para mim, se ajustariam a necessidade de uma outra pessoa, mas não me serviriam mais. Pessoas que um dia foram importantes, mas que vacilaram e seguiram por outros caminhos são como aquelas camisas que saíram do cabide direto para a doação. Outras envelheceram do meu lado e passaram do cabide para a primeira gaveta, e depois para a gaveta das roupas de dormir, as mais macias e cheirosas, mesmo velhas e surradas. Achei algumas que entraram na minha vida por que eram bonitas e baratas, mas se revelaram desconfortáveis e foram esquecidas. Estas também foram descartadas.

Pra que acumular pessoas sem necessidade como fazemos com as roupas?
Porque ter gente ao nosso lado que não combina com a nossa cara e nosso jeito de ser?
A soma das partes daqueles que nos cercam deve contribuir para a construção do "Nosso Monstro Perfeito", aquele "Frankenstein" maravilhoso que é fruto da soma dos defeitos e das qualidades de todos aqueles que nos estimulam e nos ajudam a crescer e amadurecer. Mesmo divididos por núcleos, quando pensamos nessas pessoas, nesses amigos, a imagem do TODO deve ser montruosa com pedacinhos que se encaixam perfeitamente independente do seu formato e da sua cor, como na mitologia grega.

Sem ilusão, atualmente vivemos em uma sociedade de "pessoas-acessórios" que trocamos de acordo com o evento, a viagem, o sentimento e a fase, isso custa caro ao bolso e ao coração. Se pessoas e sentimentos não são descartáveis então devemos ter cuidado com quem deixamos entrar e também onde entramos, porque nosso coração é igual a um guarda-roupas, cabe muita coisa, mas de vez em quando precisamos limpá-lo e separar aquilo que não serve mais para evitar confusão. Ele é seletivo por natureza.
Conhecer gente é lobby, demanda técnica e cabe em uma agenda. Ter amigos é outra coisa bem diferente e demanda muito tempo e dedicação.

Mesmo que as palavras deste texto estejam um pouco difusas acho que a idéia está clara e o guarda-roupas organizado.


L.P.