Bem-vindo ao Cromossomo XY

Este blog não pretende ser correto, fonte de pesquisa ou referência para seus interessados. Ele foi pensado para que outros homens e mulheres entendam melhor como nós (homens) podemos ser românticos, chatos e invariavelmente humanos. O que pensamos das artes, das coisas que não entendemos e principalmente de nós mesmos. Neste blog há espaço para homens de todas as idades, raças, classes sociais e orientação sexual. É feito de pensamentos livres, sem dogmas culturais ou religiosos.


Seja bem-vindo ao Cromossomo XY.



terça-feira, 6 de setembro de 2011

Nada é para sempre.

Todo mundo sabe o quanto o comércio escraviza quem depende dele para viver (poucas folgas, muitas horas de trabalho e muita dedicação). Pra quem decide comprar alguma coisa no dia de folga pode ser até divertido, mas para quem precisa fazer a máquina funcionar de Domingo a Domingo é uma chateação  Não tem almoço em família, festa de aniversário, batizado ou casamento, nada que possa ser mais importante que o trabalho e os lucros. Sei disso porque vivo o drama de ter pais comerciantes, donos de um bar sem regras e horários. Dificilmente almoçamos juntos nos finais de semana porque eles trabalham até as 4h da manhã e por isso dormem até tarde. Quando acordam, mal comem, já saem correndo para trabalhar. Como eu sei o quanto eles gostam do que fazem e o quanto aquilo é importante para toda a família eu tento me adaptar a falta e venho mudando minha forma de assisti-los. Venho frequentando o bar com mais regularidade nos finais de semana para tê-los mais perto e demonstrar meu apoio, mesmo sabendo que a prática comercial roubou-os de mim. Na verdade esse pequeno discurso sobre comércio e consumo é só para amarrar o próximo assunto à ideia central do texto, um incômodo que tive a caminho de uma dessas visitas que fiz aos velhos outro dia. Tudo muda e nada é para sempre.

Num desses domingos, entre o Rio e a Roça, eu sai da casa dos meus pais para visitá-los no trabalho e no caminho entre os dois pontos pude perceber que as coisas andaram mudando. O bairro onde eu me criei se tornou outro da noite para o dia. Geralmente faço esse trecho de carro, mas naquele dia o fiz a pé e isso fez toda diferença, já que o cenário passava devagar e o ângulo de visão era infinitamente mais explorado. Algumas construções ao logo do caminho esconderam o verde dos fundos e os morros que embelezam aquela região pereciam recuar das áreas habitadas (ou seria o urbanismo avançando sobre eles?). Antigamente o cenário mudava como em degradê, as casas eram substituídas por pastos, as estradas asfálticas se resumiam em trilhas estreitas, carros em carroças a tração animal e muita poeira no ar. Era o resumo poético da roça da infância no interior do estado. Era o tempo que voltava e a simplicidade que reinava não importava o século XXI.

Nesse caminho quase não se percebe mais a diferença entre a urbanização e o delicioso caos rural, e arrisco dizer que se eu avançasse além dos meus interesses, onde era lugar de mato e boi deveria haver alguma construção grandiosa para lembrar que o avanço não respeita o bucólico e as nossas saudades. Os vaga-lumes desapareceram e deram lugar a feias lâmpadas econômicas, o som dos grilos e sapos foram substituídos por rádios, televisão e toda sorte do gosto musical típico do interior e o chão batido agora era um cinza-chumbo de asfalto mal aplicado que algum político usou pra comprar uma dúzia de votos. Depois de alguns minutos caminhando e pensando, me dei conta das mudanças que aconteciam além de onde os olhos podiam ver e tentei analizar nas minhas profundezas as mudanças que me fizeram outra pessoa. Pensei nos amores que deixei para trás sem me preocupar na falta que isso faria quando o romantismo fosse a única saída para a dor da solidão. Pensei nas gentes que abrem mão e abandonam algo ou alguém querido em nome da novidade / facilidade / praticidade. Pensei que nada é de fato para sempre. Lugares como este e pessoas como nós mudam com rapidez e só o distanciamento e o tempo nos dão a dimensão dessas transformações. É preciso olhar do presente para o passado para entender onde quero chegar. Talvez por isso seja tão difícil abrir mão de um relacionamento complicado e triste, pelo mesmo motivo citado acima. Observamos a vida do ponto onde está ruim para um passado de amor e flores, e, apegados a esse passado, não acreditamos que acabou, por isso tentamos reviver o que foi sublime e retomar a paixão. Não consideramos que durante o processo nos transformamos imperceptivelmente em outras pessoas, outro casal. Assim também acontece com os heróis viris do cinema que um dia se tornarão os país e avós dos novos heróis, até que desaparecerão como os vaga-lumes da minha infância, e assim como os vaga-lumes  ninguém vai notar que acabaram. Nossa família e amigos, uma a um, nos deixarão até que um dia também deixaremos alguém e tudo mais para trás.

Se nada é para sempre pelo menos que nossas obras do bem sejam, e que o legado das nossas ações fique como um farol para as gerações futuras. Quando verde for tão somente nome de cor e a natureza deixar de ser referência de beleza, que outros valores sejam lembrados em nome de tudo aquilo que tentamos cultivar, que lutamos para preservar. O progresso não é uma praga, mas sinto saudade da calma de outros tempos no lugar onde me criei e me descobri, onde me reabasteço e guardo as pessoas que amo. O valor dos pequenos milagres que vivemos hoje será multiplicado por um milhão quando o tempo passar o suficiente ao ponto de perdermos nossas referências. Ele será compensado pelo tanto que nós os valorizamos enquanto podíamos e o pesar por tudo ter envelhecido, ruído ou substituído se tornará menos dolorido quando no caminho das novas descobertas você concluir que se o tempo passou e levou a permanência com ele não afetou suas lembranças de um dia ter sido parte de todas aquelas delícias.

Ame as suas histórias e seus personagens do presente para que no futuro eles ainda estejam com você e te alimentem o coração e saciem a saudade sem a dor de tê-los perdido, na certeza que o resultado de tanta experiência está em cada detalhe daquilo que hoje você chama de "EU". Acho que assim da para ser mais feliz quando os meus olhos procurarem inutilmente os vaga-lumes de Xerém.

Até breve!

LP.