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Este blog não pretende ser correto, fonte de pesquisa ou referência para seus interessados. Ele foi pensado para que outros homens e mulheres entendam melhor como nós (homens) podemos ser românticos, chatos e invariavelmente humanos. O que pensamos das artes, das coisas que não entendemos e principalmente de nós mesmos. Neste blog há espaço para homens de todas as idades, raças, classes sociais e orientação sexual. É feito de pensamentos livres, sem dogmas culturais ou religiosos.


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sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Diário de Bordo - Planeta Atacama

Para Alessio Fernando (companheiro de viagem), Fillipi Barbiere, Marcos Motta, Carol Zoccoli e Alex (Sr. Carol).

Quase uma semana depois de voltar de uma das melhores descobertas que fiz na vida, os meus amigos me perguntam apenas como foi a viagem. Não se referem a algo grandioso querem apenas saber as novidades de um passeio qualquer. Mas essa é uma viagem que pode ser descrita e escrita fora da ordem porque surpreende e presenteia os sentidos, não importa a ordem que você registre os fatos, a impressão que se tem no final é que no Atacama se vive mais.

A viagem foi incrível como eu tinha planejado. Aliás, se eu não tivesse planejado teria sido incrível do mesmo jeito. Acho que pela novidade e por se tratar da maior loucura que já fiz na vida. Não relaxei, não descansei, não dormi bem e sangrei todos os dias. Estive perto da curva que separa a vida da morte. Olhei com olhos secos, pele esturricada e cabelos aramados o extremo de um planeta surpreendente. Estive abaixo de zero às 7h da manha e 32 graus depois, ainda eram 15h (leia como quiser). Comi lhama, fava chilena com gosto de terra molhada. Usei 500 ml de hidratante em 4 dias, talvez usasse a mesma quantidade em 5 anos se fosse um hábito. Usei soro nasal e bebi água como se por vício.  

Fotografei sem parar algumas vezes, em outras, eu não conseguia parar de olhar o céu mais limpo do mundo. Vi estrelas como se fosse poeira, uma massa branca que parecia que os olhos estavam embaçados, granulados de areia brilhante. Vi círculos perfeitos de estrelas médias, chuva de estrelas cadentes, uma para cada amigo vivo ou morto, 7 para cada irmã ou todas para um grande amor. Mergulhei em fossas de água gelada e salobra no meio do nada. Caminhei sobre montanhas jovens, as mais jovens do mundo e que eu não sabia que começavam no extremo sul e só paravam no extremo norte, e que de lá, até lá mais longe, ganhavam nomes diferentes e riam das culturas que as separavam inutilmente.

Fui o primeiro homem que conheci com estalactites no Nariz da coriza congelada e rachadura nos pés da escassa umidade. Fui o primeiro homem que conheci a dormir em lençol com cheiro de chão queimado e uma camada de sal sobre a pele. Fui o único homem que conheci que viu a lua nova se por, como um anel de prata, junto do sol . Conheci gente do mundo todo disposta a sofrer pelo conhecimento. Ouvi sotaques do espanhol que variavam do sul ao norte das Américas, da África ao leste da Europa, da Ásia maior, menor e Oceania. Cabeças vermelhas, negras, índias, a minha, todas sob o sol do deserto de um Atacama que sofre um impacto ecológico que emudece um guia de 24 anos apaixonado por aquele chão. Pedidos de não encoste, não pise, não urine, não volte nunca mais, "esse pedacinho de pedra que você destruiu em 1 segundo, a natureza levou 1 milhão de anos para esculpir". “46% do Lítio do planeta são extraídos logo ali na frente, naquelas faixas brancas de sal no horizonte”. Lítio, para salvar da loucura, para fazer o celular funcionar e conjugar o verbo modernizar.    

Escassez de sombra, de sexo, de vida com mais de 1 milímetro no chão. Flamingos da cor da terra, lhamas de cor de nuvem, um par de Lebres andinas que são como ratos fofinhos e gaivotas do pacífico a quilômetros de distância dele. Bactérias que resistem de -40º a +90º Celsius e ainda são rosadas e lindas como as saldáveis peles dos franceses que pisavam nelas. Jorros de água fervente que brotam da terra profunda de 13.000 metros sob pés doloridos de frio. Uma força que perfura rochas e sopra um vapor mal cheiroso do fundo da terra. 

Terra de cães gigantes e gente pequena. Terra de grandes distâncias percorridas por peregrinos de bicicletas, a pé ou de carro. Pilhas lacrimosas de pedras que substituem nossas velas para iluminar os caminhos no além. Lugar de espíritos que não encontram a salvação porque não foram dignos de ascender ao Licancabur, o vulcão-deus, chileno-boliviano, que só aceita o homem que morre em batalha ou de velhice.

Tocar as rochas e sentir montanhas inteiras de cristal de sal estalar como numa orquestra desordenada, tão frágil a 10cm dos olhos, tão forte a 50 passos e gigantesca vista da janela do ônibus.

O Atacama é muito mais que um deserto, é uma entidade com força vital e consciência de existência. É uma criança que sonha em ter tudo ao mesmo tempo mesmo que uma coisa não caiba dentro da outra. Pode ser um sonho, um pesadelo, uma gota de magia pra quem tem olhos e ouvidos de aprender, mas muito mais que isso, o Atacama é uma prova de que o absurdo faz parte da nossa vida e do nosso mundo.  

O deserto mais alto do mundo; O céu mais claro do mundo; A maior concentração de sal fora dos oceanos em todo mundo; A maior cordilheira de sal do planeta. A quantidade de superlativos que o Atacama coleciona faz ferver de turistas a pequena cidade de 8 quarteirões e menos de 3 mil habitantes no norte do Chile. É tão surpreendente que quando chegamos nos perguntamos o que fomos fazer naquela secura, mas quando deixamos a cidade para trás entendemos que para toda busca existe uma resposta ou simplesmente um pensamento poético que justifique a aventura de viver. De resto, é ser feliz.

Até a próxima.
L.P.