Bem-vindo ao Cromossomo XY

Este blog não pretende ser correto, fonte de pesquisa ou referência para seus interessados. Ele foi pensado para que outros homens e mulheres entendam melhor como nós (homens) podemos ser românticos, chatos e invariavelmente humanos. O que pensamos das artes, das coisas que não entendemos e principalmente de nós mesmos. Neste blog há espaço para homens de todas as idades, raças, classes sociais e orientação sexual. É feito de pensamentos livres, sem dogmas culturais ou religiosos.


Seja bem-vindo ao Cromossomo XY.



segunda-feira, 23 de maio de 2011

Valor inestimável, inorgânico e mineral.

Para Vinicius Duarte e Daniel Vasconcelos.

Depois de 1 ano desde a minha primeira viagem à Europa eu não parava para arrumar as minhas coisas e organizar meu guarda-roupas. Diariamente, eu só movo coisas de um lado para outro sem me dar conta do que são. Coisas que fui acumulando ao longo dos anos e que nem faço idéia da existência.
Bem, na verdade esse é o final da história, porque ela começa de outra forma.

Semana passada, recebi um amigo para jantar e começamos a falar apaixonadamente sobre a vida e as experiências carimbadas em um passaporte. Foi uma viagem e tanto quando percebemos que naquele universo de dois homens e uma sala vazia, as lembranças haviam decorado o espaço, as paredes e onde sobrava lugar com ornamentos quase palpáveis das nossas histórias. As palavras tinham uma aura dourada e o perfume daqueles dias e noites longe de casa. Os olhos brilhavam como se aquilo tivesse acabado de acontecer, mas a surpresa de fato só viria horas depois.
Não me impressionou que o tema tivesse rendido tanto assunto, o Daniel é um rapaz simpático, super inteligente e cheio de preciosidades a acrecentar e isso funcionou como combustível para as minhas memórias. Falamos tanto, que a partir de um determinado momento, mais que palavras, só os livros poderiam dizer algo mais. Maravilhas ilustradas adquiridas durante as férias e com valores inestimáveis que superam em importância qualquer outra bugiganga fruto do freeshop que pudesse ter pesado na minha mala.
De repente me lembrei de uma coisa que na época da viagem não fez muito sentido, e que só agora se justificava.

Abre parenteses...

Quando estive em Versailles, Paris, tive uma surpresa maior que a Torre Eiffel no palácio do rei Luiz XV e sua "descabeçada" nora Maria Antonieta. Um monumento em forma de casa com aposentos suntuosos e jardins luxuriantes de odor inigualável, uma expécie de relva e sumo de talos de vegetais, bem acentuados para o olfato de um alérgico. Fiquei tão encantado com tudo, principalmente a história, que mesmo 4 horas depois, quando enfim deixei o lugar, não resisti e joguei um punhado de pedras miúdas do pátio principal dentro da minha sacola, junto com uns livros que eu tinha comprado. Aquilo não fez muito sentido na hora, mas era uma forma de voltar pra casa com algo que realmente tivesse pertencido a história. Materia inorgânica, resistente ao tempo e ao esquecimento.


Dias depois, Paris ficou para trás junto com o frio da primavera europeia, e eu estava, novamente, diante de um novo monumento, esse muito maior que qualquer obra de Antony Gaudi, Miró ou Picasso juntos. O Mar Mediterrâneo e a cidade de Barcelona.
Eu fiquei extremamante agradecido a Deus e aos santos de A a Z pela oportunidade de pisar em águas "não atlânticas" e ponto de partida para a viagem que deu a luz às Américas de Colombo. Da mesma forma que aconteceu em Versailles, antes de sair da praia, eu também apanhei um monte de pedras e joguei no fundo da mochila.
Atravessei o Atlântico de volta pra casa e essas pedras rolaram por um ano esquecidas entre roupas amarrotadas até semana passada.


Fecha parenteses...

Quando o nosso assunto beirava a exaustão e o Daniel parecia cansado de me ouvir falar, me lembrei de uma daquelas coisas que eu movia de um lado para o outro sem me dar conta do conteúdo e fui até o armário pegar. No fundo de um pote de vidro envolvido por PVC, as pedras miúdas do Palácio Francês pareciam de plástico e as pedras maiores e arredondadas da praia de Barcelona me lembraram morangos cinzas, pela textura e formato. As lembranças me tomaram como uma agressão e até me assustei com a quantidade de coisas que surgiram de meses antes da viagem, dos sentimentos que experimentei a cada novo passo em direção a realização do meu sonho. Cada coisa mínima, cada pedrinha tinha uma relevância, uma possibilidade, uma participação na história daquele povo e agora estava comigo, misturada às roupas, trancadas, movidas e impregnadas com o meu perfume. Trouxe ao meu quarto, para o meu mundo, o cheiro do mediterrâneo, o sotaque catalão, a madeira podre das embarcações romanas, as gargalhadas das festas em Versailles e o trote dos cavalos dos soldados de Napoleão e a Revolução Francesa. Séculos de história e milênios de existência cruzaram o mar comigo e hoje me ajudam a perceber que nenhuma foto ou bem material que registre uma boa experiência pode ter valor maior que um ícone só meu que confirme no futuro que aquilo tudo não foi um sonho e que de fato aconteceu. Que um monte de pedrinhas pode significar nada para uns, mas para outros ter valor inestimável.

L.P.     

5 comentários:

  1. trouxe uma pedra de sal uma vez, mas a danada derreteu.

    ResponderExcluir
  2. Ler o texto acima é uma injeção de cultura!!!!!!!!!
    trata-se não só de uma ótima capa, mas de um conteúdo útil e interessante!!
    Tiago Soares

    ResponderExcluir
  3. Eu não tenho como qualificar isso, a não ser você indo junto comigo pra próxima viagem! Vamos?

    ResponderExcluir
  4. Inevitavelmente me lembrei que não consigo mais encontrar as pedras que catei em Mikerinos (a pirâmide de menor tamanho em Gizé, perto do Cairo), quando estive lá na minha primeira primeira viagem "absolutamente" sozinho, em 2003.

    Apesar de não conseguir mais tatear aquelas rochas irregulares de granito amarelo, milenarmente outrora rosadas, ainda consigo sentir aquele cheio de poeira misturada com tempero árabe. Parece que a distância que me separa é tão pequena quanto o diâmetro do globo ocular, a se contar da pálpebra até o cerébro.

    Retribuo a leitura com uma das frase do texto final de O Livro do Riso e do Esquecimento, do Kundera, que adoro:

    "... esse "quero viver" era tecido com fios de teia de aranha. Bastava tão pouco, tão infinitamente pouco, para se encontrar do outro lado da fronteira além da qual nada mais tinha sentido: o amor, as convicções, a fé, a História. Todo o mistério da vida humana consiste no fato de ela se desenrolar em proximidade imediata e mesmo em contato direto com essa fronteira, de não ficar separada da fronteira por quilômetro, e sim apenas por um milímetro."

    Minha impressão é que só estamos longe daquilo que não lembramos mais.

    Um abraço

    Beto

    ResponderExcluir